Suzete
Chaffin
Professora
- presidenta do PSOL Jacareí/SP – Unidos pra Lutar/Luta Socialista
Há
uma canção popular que afirma: “negro é a raiz da liberdade”. Não é uma canção
de protesto, mas cumpre o objetivo de homenagear os originários da África, que
deram ao povo brasileiro muito mais do que a contribuição evidente na cor da
pele da maioria do nosso povo, 53,1%, segundo o IBGE). E, convenhamos, em 1981,
quando esse samba foi gravado singularmente por Dona Ivone Lara, não se ouviam tantos
desses discursos que dão cor aos palanques eleitorais, por meio da dita
“democracia racial”.
O mito da democracia racial
foi criado pela elite dominante para abafar o fato de que o racismo no Brasil é
estrutural e institucionalizado. Por isso, a luta de negros e negras é
constante e tem obtido importantes conquistas, e não concessões: a Lei que cria
o Dia da Consciência Negra no dia 20 de novembro, as cotas raciais nas
universidades públicas e a Lei que torna obrigatório o ensino de história e
cultura africana e afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e
Médio (* ver resenha das leis no rodapé).
E, embora os livros
didáticos ainda apresentem pouquíssimas figuras negras, aos poucos vai-se
fazendo justiça a heróis como Zumbi dos Palmares, principal liderança do
Quilombo dos Palmares, que se localizava na Serra da Barriga, atual Estado de
Alagoas; Dandara dos Palmares, Teresa de Benguela e Luísa Mahin, líderes quilombolas, Luiz Gama, a quem a OAB
agora faz justiça outorgando-lhe o título de advogado, 133 anos após a sua
morte, e João Cândido, o almirante negro, líder dos marinheiros que lutaram na
Revolta da Chibata, na Bahia de Guanabara, e conquistaram em novembro de 1910, melhores
condições de trabalho na Marinha do Brasil, e principalmente, o fim dos
castigos físicos que lhes eram aplicados com o uso da chibata.
A reflexão sobre a situação do negro está
espelhada num conjunto de dados estatísticos que implicam num quadro real de
desigualdade e opressão. Dados oficiais (IBGE/PNAD/2014) concluem que os negros (as) são os que têm
menor escolaridade; representam 15% dos estudantes
universitários; as taxas
de analfabetismo são duas vezes superiores ao restante da população; correspondem
a 67% da população carcerária; têm menor acesso à saúde; são os que morrem mais
cedo e têm a menor participação no Produto Interno Bruto (PIB). Os negros (as) ganham
o equivalente a 57% do salário dos brancos e são a maioria dos 60,6% de desempregados. O sistema
tributário é injusto não só pela perspectiva de classe (trabalhadores pagam
mais impostos que as grandes empresas), mas também pelo recorte de gênero e
raça. As mulheres negras estão na base da pirâmide social e pagam,
proporcionalmente, mais impostos do que homens brancos e têm menos acesso aos
direitos e políticas públicas.
A
violência policial contra os negros é prova de que a polícia traça seu perfil de
suspeitos tomando por base a cor da pele. É negra a maioria dos assassinados,
torturados e vítimas de humilhação do aparato policial. Jovens e pobres correm
mais risco, a chance de um adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior
que a de um branco. Não à toa, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, omitiu
nas estatísticas sobre a violência (22/10/15) os dados de mortos por PMs de
folga e de mortes causadas por policiais civis, no terceiro trimestre deste ano.
Foi em horário de folga que agiram os PMs “suspeitos” de comandar a chacina de Osasco.
Até o
Censo de 2010 as estatísticas oficiais davam conta de que a maioria da
população brasileira era branca. A boa notícia é que desde 1991 tem-se observado o aumento
do número dos que se declaravam brancos e agora se dizem pardos; bem como dos
que se diziam pardos e passaram a se reconhecer pretos. Isso levando em conta
que a pergunta do Censo do IBGE sobre ”cor e raça” dá somente as opções de:
branca, preta, parda, amarela, indígena. Logo conclui que somados pretos e
pardos formam a população negra do país, que em 2004, era de 48,1% e em 2013 chegou
a 53,1% (IBGE/PNAD/2014).
Essa
mudança política e cultural se caracteriza pelo aumento da autoestima da
população negra, que se confirma pela alteração de postura diante de situações
de racismo. É cada vez maior o número dos que denunciam. São famosos e anônimos
como: a cobradora, em Brasília, após pane no ônibus; a estudante que postou
fotos com o namorado branco; a jornalista Maju Coutinho, moça do tempo do Jornal
Nacional; a atriz Thaís Araújo; e vários jogadores de futebol, entre os quais
está o goleiro Aranha, do Santos, que por sua atitude firme virou símbolo da
luta antirracismo. Enfrentou as críticas do próprio Pelé, para quem o goleiro
“se precipitou” ao reagir. Porém, denunciar é essencial para romper a
expectativa da burguesia de ter negros (as) sempre “domesticados” e
“embranquecidos”, que para serem aceitos pela sociedade neguem sua origem e se esforcem
para parecerem brancos.
Felizmente
há um avanço de consciência, que não se deve somente às atitudes individuais de
coragem, mas também às mobilizações populares. Expressam resistência os que descem
da favela e protestam no asfalto, como na busca pelo Amarildo, pedreiro
desaparecido da Favela da Rocinha (RJ), assassinado pela polícia; e os jovens
da periferia de Osasco (SP), a maioria negros, quando saíram às ruas contra a chacina
praticada por policias, que deixou 19 mortos.
O
capitalismo fez dos negros (as) suas vítimas preferenciais, pois a “libertação”
promovida pela elite branca os deixou sem eira nem beira, sem casa para morar,
sem chão para plantar, sem direito a estudar. A manutenção do racismo interessa
aos empresários, banqueiros e latifundiários para que possam contar sempre com
mão de obra mais barata.
Não
se pode perder de vista que há persistência no
combate à herança histórica de escravidão, segregação racial e racismo. A criação de uma data destinada à
valorização da raça negra tem contribuído para que a população negra possa
conhecer e julgar sua realidade, sob a perspectiva de ser reconhecido por seus
valores, sua luta, por sua história. A pseudolibertação se deu, mas é necessária nova
abolição para tornar livres mulheres e homens: negros, brancos, índios, que em
pleno século XXI seguem lutando contra o sistema capitalista.
A
raiz da história de luta do povo brasileiro por liberdade tem origem negra. Mas,
as verdadeiras e duradouras conquistas dos negros estão intimamente ligadas às
lutas e às conquistas da classe trabalhadora, pois a verdadeira abolição só
será alcançada com a vitória de uma sociedade socialista.
Nota * O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência
Negra, celebrado em 20 de novembro, instituído Lei nº 12.519/
2011; A Lei nº 12.711/2012, sanciona pelo Decreto nº 7.824/2012, que
define as condições gerais de reservas de vagas para as instituições federais
de educação superior e ainda a Portaria Normativa nº 18/2012 que prevê as
modalidades das reservas de vagas e as fórmulas para cálculo, fixa as condições
para concorrer às vagas reservadas e estabelece a sistemática de preenchimento
das vagas reservadas; Lei 10.639/2003 que altera a Lei
no 9.394/1996 que inclui o estudo da História da África e dos Africanos, a
luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil.
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